Estou convencida. Sim, agora eu me
convenci de que realmente sou louca. Ai de mim se não fosse assim, dessa forma,
desse jeito estranho. A cada dia eu me causo mais estranheza. Essa minha pele,
esse meu corpo, tudo está tão inconfortável e cansativo. Quisera eu que fosse
possível arrancar essa pele com a mesma violência com que arrancas meu vestido.
Eu quero me rasgar inteira. Essa sensação de afogamento não me deixa respirar tranquilamente.
Sinto que meu corpo se tornou um reservatório sem ao menos um buraco capaz de
fazer toda essa água vazar. É insuportável. Quero me livrar dessa quase-morte.
Ou quero morrer logo d’uma vez. Porra, será que não posso simplesmente me
deixar em paz? Sim, sou prisioneira e algoz de mim. Sou minha própria prisão.
Desculpa, mas esse é o motivo pelo qual te sufoco tanto. Eu te sufoco para não
ficar sufocada. Toda vez que me lanço feito uma louca, carente e sedenta, nos
teus braços, é só essa minha necessidade de vomitar toda minha alma na tua
boca. Encontrei uma forma de fazer meu corpo vazar um pouco desse líquido, tão
denso, que quer roubar o sopro de vida que me restou. Minha boca na tua boca. O
pecado e a redenção. A enferma e o remédio. Não se assuste, amor. Não corra
mais de mim. Espera, pra onde você está indo? Espera só mais um pouco. Mas você
sempre vai. Você sempre me deixa sem âncora, sem salvação. Talvez eu esteja
mesmo errada. Quero apenas que você me salve daquilo que sou. Mas você só pode
amenizar um pouco. Acredite em mim, eu te amo. E essa é a primeira vez que
consigo dizer-te isso. E como dói dar vida àquilo que sentimos. Sentir me dói
pra caralho. E estou exaurida, farta. Não quero mais sentir nem dizer nem
gritar nem sussurrar no teu ouvido do meu querer da minha fome da minha sede
nem deixar na tua pele vestígios dos meus lábios ou da minha língua nem sentir
teu corpo desenhando e dando vida ao meu corpo pequeno de menina. Eu quero
apenas dar meu último suspiro. Na tua boca.
sexta-feira, 15 de agosto de 2014
terça-feira, 22 de julho de 2014
Quase Clementine
Meu
nome é corpo. Meu sobrenome é alma. Não há espaço que nos separe, não há vão e
nem ao menos uma mão capaz de livrar meu corpo dessa marca. Estou condenada à
minha alma. Mas não, não sou mais aquela menina que você comia todas as sextas
no seu horário de almoço, dentro do quarto mais barato, mais sujo, mais
escondido que havia naquela rua sem saída do centro de São Paulo. Ninguém
poderia saber de nós. Mantínhamos o nosso segredo. Eu, sempre romântica – e iludida
–, achava aquilo tão bonito. Vivia perdida em meu claustrofóbico mundo de que tudo
fosse real. Mas, repito, não sou mais aquela menina. Aquela que era sua, aquela
que se afogava no suor do seu corpo naquelas tardes quentes. Você me fodia como
quem tem pressa. E medo. Você tinha medo de mim. Não me esqueci daquela
mensagem em que você confessava. “Tenho medo de você, menina”. Só que meus
olhos estavam sempre vedados. Você era a rua sem saída que eu nunca deveria ter
visitado. O breu que eu nunca deveria ter permitido se aproximar. Eu apaguei a
luz. Do quarto. Da alma. Estendi minha mão e deixei você me levar. Tanto fazia
se você queria nesse ou naquele dia. Bastava que você quisesse. E eu comia.
Comia cada pedaço das suas migalhas. Sempre tão frágil e indefesa eu sentia que
a cada vez que você me apertava contra seu corpo eu ia me quebrar. Essa
sensação era lancinante. E, todas as vezes que deixávamos aquele quarto, era
como se minha alma estivesse se partindo aos pouquinhos. Eu estava condenada a
morrer por dentro lentamente. Saber antecipadamente da minha morte, e
negligenciar os sintomas, era assustador. Quanto mais destruída eu estava, mais
eu queria essa destruição. É como beber veneno em pequenas doses. Tão clichê.
Sempre fui assim. Essa menina cheia de clichês e frases bobas, soltas no ar.
Meus pés não queriam tocar o chão. Meus pés só se moviam sobre seus pés. Seus
pés queriam o fim de mim. Você queria acabar com tudo aquilo porque eu estava
perdida demais – em você. Era o que você queria. O fim. E eu queria, assim como Clementine, esquecer. Queria o vazio e o esquecimento. Queria me afogar no
nada. Até morrer. Não, não tentei me cortar e nem tomar remédios que
antecipassem minha morte. Porque eu já estava morta. Meu corpo é sepultura de
um amor que morreu. Queria esquecer do teu corpo nu ao lado meu corpo nu. Você
com os olhos cerrados se afundando no prazer do corpo até chegar ao gozo. Eu,
meio tímida, querendo sentir aquilo que você sentia, mas no teu corpo. Eu
queria sentir nada em mim. Precisava sentir como você sentia. Qualquer coisa
que eu sentisse seria inútil sentir sem você. Eu era corpo-e-alma. Você era só
corpo. Eu fui alma no teu corpo. Você foi corpo no meu corpo. Você veio, me
matou lentamente, depois foi embora. E nunca mais voltou.
quinta-feira, 26 de junho de 2014
Arrebentado
acordei no
meio da noite
a noite me
acordou ao meio
tanto faz
o que me fazia
querer gritar
no meio da
mudez de uma noite
escura e fria
era o meu
desespero por poder
reconhecer –
no meio da noite
e no meio de
mim mesmo –
aquelas vozes
que rasgavam
meus ouvidos
numa dor aguda
e silenciosa
estou cortado,
machucado, ferido
por essas
vozes que ecoam no oco
são versos
tecidos pela mão do impossível
são melodias
compostas num instrumento
inexistente
são palavras
ditas por lábios
secos e
rachados como uma terra árida
feito ácido
corroendo tudo por dentro
a palavra é
veneno quando não dita
e a noite
continua ao meio e continuo
ao meio
tentando me
juntar pra não morrer
no meio, ao
meio, na noite
mas não quero
morrer inteiro e
me jogo, me
lanço ao chão como
como um vaso
arremessado
por mãos
furiosas que desejam quebrar
tudo e todos
na esperança de romper
a si mesmo
num momento de
fúria
quebro-me
despedaço-me
esqueci de ser
inteiro.
segunda-feira, 16 de junho de 2014
Algemas
entre achados
e perdidos
: eu me perco me escondo
finjo que não existo
além das margens
do imenso – e
insecável – mar da tua alma
: você
entre o sim e o não
um talvez que me lança
algemas inquebráveis
e eu cada vez mais enclausurado
não vejo
outra forma de ser
livre senão preso, atado.
não há liberdade
sendo livre.
sem saber nadar
sem saber viver
sem saber amar
sem saber
sem
repetições vazias esquecidas
de fazer rima
em meu peito há um imã
e agora há também
uma rima
que te atrai
e você se trai
nessas palavras tão mornas
sim, entre o quente e o frio:
você
morno você
quente e frio você essa mistura
que me dá náuseas.
e a minha garganta
latejando o gosto da bile
corroendo a mim a ti e todas
as feridas esquecidas
de doer.
: eu me perco me escondo
finjo que não existo
além das margens
do imenso – e
insecável – mar da tua alma
: você
entre o sim e o não
um talvez que me lança
algemas inquebráveis
e eu cada vez mais enclausurado
não vejo
outra forma de ser
livre senão preso, atado.
não há liberdade
sendo livre.
sem saber nadar
sem saber viver
sem saber amar
sem saber
sem
repetições vazias esquecidas
de fazer rima
em meu peito há um imã
e agora há também
uma rima
que te atrai
e você se trai
nessas palavras tão mornas
sim, entre o quente e o frio:
você
morno você
quente e frio você essa mistura
que me dá náuseas.
e a minha garganta
latejando o gosto da bile
corroendo a mim a ti e todas
as feridas esquecidas
de doer.
segunda-feira, 26 de maio de 2014
Suja
cansada.
fumei um dois três cigarros. não me importo com meus pulmões. eles que tentem
me suportar agora e se empenhem em me manter viva por mais algumas décadas. eu
não quero me livrar agora. quero ser a fumaça soprada por minha boca. o cigarro
e eu somos um só agora. agora eu não mais me despeço. calo-me. quando me calo
encho minha alma de calos. silenciar é viver dentro de um sapato apertado. meu
corpo é apertado demais. colocaram-me - e agora é minha alma quem diz - no
corpo errado. viver e tentar se encaixar dentro do próprio corpo. viver e
tentar se encaixar no corpo de alguém. viver e fumar ao lado de alguém e
esperar que esse alguém te fume uma duas três quatro... infinitas vezes até que
você se consuma e suma do mundo e o mundo, que nunca soube da sua existência
patética, jamais saiba que um dia você ousou tentar limpar uma sujeira que não
pode ser limpa. estou me sujando toda tentando limpar a sujeira deles. e eu não
preciso que ninguém mais saiba que existo. basta que você saiba. você não sabe
que existo apesar de passar por mim todos os dias na mesma esquina, no mesmo
horário, no mesmo desejo que se seca gota após gota por não haver uma boca que
(me) beba. mesmo não sabendo de mim estamos no mesmo quarto, na mesma cama,
cobertos pelos mesmos lençóis. escondidos do mundo. eu me escondo em você. você
se esconde em seu próprio corpo. e de dentro do teu corpo eu apenas vejo o meu
corpo. vazio. desabitado. antes que as paredes desabem sobre nossos corpos eu
desabo a minha existência sobre a tua existência. que sejamos só destroços
[reticências]
sábado, 24 de maio de 2014
A pele e a navalha
a pele é a fantasia
da alma.
em sublime calma
teus dedos me rasgam de alto
a baixo.
embaixo dos teus dedos - ou
entre eles - há
uma navalha que satisfaz a
insanidade do meu desejo
dispo-me da minha própria pele.
preciso mostrar-te as vísceras, a carne,
o peito cheio de pus, o sangue
dou-te a beber de mim
você
se sacia na fonte que está
quase
secando.
teus olhos se apartam dessa terrível
visão.
a verdade do que sou (?)
te escureceu as pupilas.
queimaram-se - as duas - nas chamas
do meu desejo e
as minhas dores
foram sorvidas pelo oco espaço opaco
vazio
estamos separados entre a superfície
e
a fundura do sentir.
enquanto eu me afogo você
me observa distante longe alheio
bebo cada gota como quem está
num deserto há dias
o sol escaldante queimando a pele
queimando as próprias chamas
entre meus ossos você escondeu
a ânsia de uma procura por aquilo
que você nunca perdeu.
também eu me ocupo em tentar
me livrar do mundo e dos seus olhos
tentando
me engolir aos poucos em pequenas
mordidas e logo estará tudo - eu você e
o mundo -
acabado.
quinta-feira, 22 de maio de 2014
Sacrifício
quatro olhos
uns gritando e
outros
tentando
escutar
quatro mãos
tentando tocar
o intocável
quatro pernas
cruzando umas
nas outras
tentando fazer
nó no corpo
meu e o corpo teu.
quatro paredes
e eu posso
sentir
o peso delas
sobre nossos corpos
nenhum ruído
rachadura nada
estremeceu. está
pesado demais.
te vejo
revirar de um lado
para o outro e
eu ficando louco
e você não se
importando nenhum
pouco é
suficiente para que eu es-
corra entre as
tuas virilhas.
rubro.
sangue
cintilando as paredes
do quarto
sangue
maculando o lençol
alvo
sangue meu sangue
teu
nossos sangues
se lavam
e se banham em
si mesmos
não é
homicídio
não foi
suicídio
foi – e é –
sacrifício
oferto-me.
eis-me corpo
nu
eis-me alma
crua
a frieza e a
quietude das paredes
contemplam
aquilo que
o mundo é
incapaz
de conceber.
o gozo lava
leva limpa.
eu me sepultei
no teu corpo
e você dividiu
a tua
sepultura.
terça-feira, 11 de fevereiro de 2014
Desisto de mim
conversa - em silêncio - com o
meu olhar?
mas você precisa
de palavras.
você sabe do que eu preciso.
mas não sabe
do que necessito.
sou alma, pele e necessidade.
por que você não me diz
logo
que me ama?
eu te amo?
não sei. desaprendi a nomear
meus sentimentos.
apenas sinto.
sentir me basta. e minto.
porque, sentir não me basta.
o meu sentir
precisa
deitar-se sobre o teu.
assim como a brancura
da minha pele
repousa
sobre a tua pele morena.
os lençóis contemplam
o belo contraste da nossa cor.
os lençóis nos escondem
do mundo
as paredes nos escondem
do mundo
e nada me esconde de você.
(e)s(t)ou desprotegida.
Maria, seja mais
clara.
preciso te compreender.
(você fechou olhos
a luz se apagou. não consigo
ser clara)
não, você não precisa
(me) compreender.
você só quer se livrar desse peso
que é ser amado por alguém.
se compreendo,
não sinto.
você quer
compreender pra não
sentir.
mas eu sinto...
(oco
sussurros
eco
silêncio)
desisto de mim.
mas não desisto de você.
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