terça-feira, 22 de julho de 2014

Quase Clementine


Meu nome é corpo. Meu sobrenome é alma. Não há espaço que nos separe, não há vão e nem ao menos uma mão capaz de livrar meu corpo dessa marca. Estou condenada à minha alma. Mas não, não sou mais aquela menina que você comia todas as sextas no seu horário de almoço, dentro do quarto mais barato, mais sujo, mais escondido que havia naquela rua sem saída do centro de São Paulo. Ninguém poderia saber de nós. Mantínhamos o nosso segredo. Eu, sempre romântica – e iludida –, achava aquilo tão bonito. Vivia perdida em meu claustrofóbico mundo de que tudo fosse real. Mas, repito, não sou mais aquela menina. Aquela que era sua, aquela que se afogava no suor do seu corpo naquelas tardes quentes. Você me fodia como quem tem pressa. E medo. Você tinha medo de mim. Não me esqueci daquela mensagem em que você confessava. “Tenho medo de você, menina”. Só que meus olhos estavam sempre vedados. Você era a rua sem saída que eu nunca deveria ter visitado. O breu que eu nunca deveria ter permitido se aproximar. Eu apaguei a luz. Do quarto. Da alma. Estendi minha mão e deixei você me levar. Tanto fazia se você queria nesse ou naquele dia. Bastava que você quisesse. E eu comia. Comia cada pedaço das suas migalhas. Sempre tão frágil e indefesa eu sentia que a cada vez que você me apertava contra seu corpo eu ia me quebrar. Essa sensação era lancinante. E, todas as vezes que deixávamos aquele quarto, era como se minha alma estivesse se partindo aos pouquinhos. Eu estava condenada a morrer por dentro lentamente. Saber antecipadamente da minha morte, e negligenciar os sintomas, era assustador. Quanto mais destruída eu estava, mais eu queria essa destruição. É como beber veneno em pequenas doses. Tão clichê. Sempre fui assim. Essa menina cheia de clichês e frases bobas, soltas no ar. Meus pés não queriam tocar o chão. Meus pés só se moviam sobre seus pés. Seus pés queriam o fim de mim. Você queria acabar com tudo aquilo porque eu estava perdida demais – em você. Era o que você queria. O fim. E eu queria, assim como Clementine, esquecer. Queria o vazio e o esquecimento. Queria me afogar no nada. Até morrer. Não, não tentei me cortar e nem tomar remédios que antecipassem minha morte. Porque eu já estava morta. Meu corpo é sepultura de um amor que morreu. Queria esquecer do teu corpo nu ao lado meu corpo nu. Você com os olhos cerrados se afundando no prazer do corpo até chegar ao gozo. Eu, meio tímida, querendo sentir aquilo que você sentia, mas no teu corpo. Eu queria sentir nada em mim. Precisava sentir como você sentia. Qualquer coisa que eu sentisse seria inútil sentir sem você. Eu era corpo-e-alma. Você era só corpo. Eu fui alma no teu corpo. Você foi corpo no meu corpo. Você veio, me matou lentamente, depois foi embora. E nunca mais voltou.