domingo, 27 de setembro de 2015

Lápide


jaz no meu corpo a tua alma
jaz na minha pele o teu toque
jaz no meu toque a maldita textura da tua pele
jaz nos meus olhos lembranças tuas
jaz na minha língua o gosto
das tuas virilhas escorrendo
gota a gota penetrando por entre
teus pelos me rasgam as coxas
brancas e quentes
quente engulo toda tua frieza
e não, não consegues apagar
o fogo a brasa a sede a fome

temes que eu – na minha pequenez
– te corte entre os dentes e te engula
todo perdido no labirinto escondido
em minha alma
temes as correntes construídas
por suas próprias mãos e queres
a liberdade que há entre o sim
e o não

epílogo
: o amor é morte
e eu te matei
em mim

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Manequins


[esqueci de crescer - por dentro. esqueci também quantos nomes já tive. mas não esqueci que eu vivia sozinho, medroso e assustado no canto da sala, do quarto, da vida. vez em quando nem os braços mais fortes são capazes de me livrar do meu desamparo e nem proteger minha inevitável desproteção. acho que nunca tive um peito de ferro. o amor não sobreviveria. talvez nem eu conseguiria sobreviver sem amor. ainda que adormecido embaixo dos delicados detalhes do cotidiano o amor continua ali, vivo, respirando. meu peito sempre foi de carne, sempre sangrou, sempre doeu. e, quando não doía, sentia medo e ficava assustado e até um pouco desesperado. quando a dor faz silêncio, não sei se curou ou se morri. nunca soube lidar com uma existência indolor. mas não sou masoquista. só preciso me sentir vivo. e eu vivia ainda que sempre estivesse esgueirando-me pelas beiradas da vida pra ninguém perceber que algo eu escondia. não havia nada a esconder, mas eu escondia até de mim. lembro-me que confundia manequins com pessoas. estendia a mão para eles e os cumprimentava na esperança de que me respondessem. manequins, muitas vezes, são mais vivos que pessoas. e pessoas parecem ser mais sem vida do que manequins. meu olhar varre todos os cantos numa rua cheia. pessoas andam freneticamente de um lado ao outro, atravessando no sinal vermelho, esbarrando no ombro alheio, desviando com astúcia dos que só querem fazer algumas perguntas. meu olhar não encontra outro olhar. meu olhar se afoga nesse mar de almas apressadas. e a pressa e o descuido e o medo de ter sua solidão violada fizeram das pessoas manequins. e agora eu, que confundia manequins com pessoas, confundo pessoas com manequins. e estou tentando, quase inutilmente, encontrar um resquício de vida embaixo de cada manequim. que, na verdade, são pessoas que nem olham pra mim]