domingo, 3 de fevereiro de 2013

Cegos


– Você só quer o meu corpo nu. E a única coisa que eu desejo é ter a tua alma nua. Total e incondicionalmente entregue a mim.
Ele balançou a cabeça, confuso.
– Não estou te entendendo. Na verdade, eu nunca te entendo. Você me diz tantas coisas sem sentido.
Ela arregalou os olhos, indignada.
– É sempre assim. Você sempre diz que não me entende e diz também que sou louca. Mas, quer saber de uma coisa? Você entende perfeitamente o que eu te digo. Você é só mais um cara que finge não entender o que uma mulher diz. Só pra não se comprometer. Só pra não criar laços e nem deixar enraizar.
– Mas eu te curto. É bom ficar com você. Bobinha, você é muito legal. Só é um pouco exagerada, dramática e sentimental. Mas é legal.
– Você me curte? Eu não sou Facebook. Lá, você só curte e fica com aquilo que te faz bem. Mas comigo não dá pra ser assim. Não dá pra selecionar o que é bom e menosprezar o que não é tão bom aos seus olhos. Você só quer o prazer dos lençóis. Eu quero o prazer da entrega total. Nossos corpos se tocam, mas nossas almas não se olham. Ou melhor, minha alma tenta olhar e tocar a tua, mas você está sempre tão distante.
Respirou profundamente e revirou os olhos.
– Pronto! Começou de novo...
– Essa é a pior distancia. Quando nossos corpos estão pertos, mas nossas almas estão distantes. Você é tão fútil e superficial. Só você que não percebe isso. E espero que não seja tarde quando perceber o tempo que está escorrendo pelas suas mãos.
– Olha, eu não sei te entender. Eu não sei te explicar minunciosamente como eu me sinto quando estou com você. Só sei que é bom. E quero continuar.
– Desculpa, mas isso não basta. Eu quero mais. Eu quero te ter por inteiro. Quero teu olhar no meu. Quero a tua mão na minha. Quero teus braços para o meu corpo frágil. Só que parece que eu não sou suficiente pra você.
Respirou profundamente outra vez. E desejou ardentemente sair dali correndo e também desejou toma-la pela cintura e beija-la por um longo tempo para que não houvesse mais espaço para ela falar. Mas resistiu.
– Estou tão novo para assumir um relacionamento sério.
Ela fechou os olhos e seu rosto assumiu uma expressão cansada.
– E eu estou tão cansada de me gastar e me desgastar e me doar e me entregar para quem está de braços cruzados sem o menor interesse em me receber. Cansei. Mas sou insistente. Pareço chata quando falo nisso. Sim, sou exagerada. Você tem razão. Mas é o que eu quero. É o que eu sinto. Não posso deixar passar.
– Sinto muito...
– Eu sinto mais ainda. Mas se você quer assim. Que seja...
Ela fechou olhos mais uma vez como se quisesse evaporar naquele momento e sumir dali. O que ela mais queria era se atracar ao corpo dele e dizer que estava tudo bem. Mas ela sabia que não estava. Ela precisa dizer não. A maior causa de sua dor era por não saber dizer não. Foram tantos sins que a deixaram vulnerável. Ele a usou. Ela estava cega. E ele também. Ela voltou a enxergar. Mas, que pena, ele se levantou e foi embora. Cego. Indiferente. Incapaz de se entregar. Vazio. Sempre tentando se satisfazer em outras bocas, em outras camas. Incapaz de criar raiz em algum coração. Ele não se pertencia. E jamais poderia pertencer a alguém.
Mas o tempo sempre passa e tudo muda. Pena que nem todas as pessoas passam com o tempo e nem mudam com ele.