segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Mudei tudo. Só não mudei de casa.


Tantas cores. Tantos sabores. Tantos amores. Tantos sonhos. Tantas esperanças. Tanto querer. Hoje sei que a mudança está acontecendo. Do lado de fora, aparentemente, nada mudou. Tudo continua da mesma forma. Mas, dentro de mim, tudo está ao contrário. E acho que está de cabeça pra baixo. Do lado avesso. O contrário de mim. Esse sim me faz feliz. Esqueci meus medos e minhas concepções do que era certo e errado para simplesmente escolher o caminho da felicidade.
Se eu pudesse escrever tudo que aconteceu em meu interior esse ano, eu não seria capaz. Seria preciso folhas, folhas e mais folhas. E, ainda assim, seria insuficiente. Porque, as mudanças que acontecem em nós, são grandiosas. Um pequeno detalhe, uma pequena cor, um pequeno movimento, é capaz de mudar a nossa vida, a nossa história.
Mudei. Mudei os móveis de lugar. Mudei a roupa de cama. Mudei as cores. Mudei tudo. Só não mudei de casa. Tirei os tapetes. Varri a sujeira acumulada escondida debaixo deles. Quis meu coração limpinho. E ainda o quero assim. Pois sei o quanto preciso que o meu coração tenha rastros de bondade. Não foi fácil. Sangrei. Chorei por dentro. E as pessoas que me olhavam não viam minhas lágrimas. Mas eu e Deus sabíamos de tudo que se passava aqui dentro. Cada mover de um móvel dentro da minha pequenina casa-coração era uma dor discreta em meu peito. Mas depois a dor sempre passava. Foi um dos aprendizados mais bonitos que eu tive esse ano. Toda dor passa. Não importa o tempo que demore. A dor não é eterna. A dor não dura pra sempre. Ainda que ela te esmague o coração e furte todas as suas forças. Ela passa. Nossa vida não é feita só de branduras e paz. Sabemos bem disso.
A dor mais intensa que vivi esse ano foi ver minha irmã em coma induzido. Sua vida estava por fio. E foi por esse fio que Deus a salvou. Deus é tão grande e tão maravilhoso que, nas coisas mais frágeis, manifesta a sua força e o seu amor incomparável. Quando todos achavam que era o fim, que a vida da minha irmã havia se findado, veio uma luz e levou embora toda escuridão. Foi num dia de sol. Num fim de tarde. Onde eu sentia o peso da quase partida. Deus olhou com compaixão para nossas lágrimas e as enxugou. E derramou remédio sobre a vida da minha irmã. Dia após dia ela foi se recuperando. Os médicos estavam sem esperança. E eles mesmos reconheceram ali um milagre. Foi na fragilidade do fio que a vida da minha irmã foi resgatada. E eu agradecerei a Deus a cada instante por esse fio que ainda mantinha a vida da minha irmã aqui conosco. A dor passou. E a alegria do retorno se fez presente em nosso meio. Minha irmã está bem e saudável. Desculpa, mas ainda existe gente que não crê na existência Deus. Não sei como. Não julgo, não condeno e nem faço cara feia. Somos livres para crer e não crer. Mas ainda me entristece a incredulidade de muitos.
Aquela dor, de não conseguir viver dentro de mim, me abandonou a alma. Agora me sinto livre daquele desconforto insuportável que me causava as paredes do meu quarto escuro. Na verdade, o meu quarto não está mais escuro. Abri portas e janelas e permiti que a luz entrasse. A luz invadiu cada canto e aquilo que eu não queria ver se tornou parte da minha vida. Rasgou-me todas as roupas que vestiam e pesavam minha alma. Deixou-me completamente nu. E me mostrou quem eu sou. A busca por ser quem somos e para que nascemos, é uma busca que jamais terá fim. Mas há momentos em que essa busca encontra respostas intensas. A maior resposta eu encontrei quando me permiti olhar frente ao espelho de minha alma. E não desviar o rosto e não fazer cara feia e não sentir nojo e não sentir repulsa e não sentir mais vontade de fugir. Simplesmente abraçar a nudez da minha alma e acolher em meus próprios braços. Sou quem sou. E sou feliz por ser assim. Não sou doce. Não sou azedo. Não sou salgado e nem amargo. Sou tudo ou até mesmo nada. Mas sou. Sou aquilo que você vê e tudo aquilo que se esconde nas entrelinhas e nas sombras do que escrevo. E escrevo na ânsia me fazer livre das correntes que ainda tentam me aprisionar dentro de mim. Porque amar é libertar-se de si para morar no coração de alguém.
O que mais querer se não amar? E não me refiro ao amor entre um homem e uma mulher, ou entre dois homens, ou entre duas mulheres. Refiro-me ao amor que precisa nos habitar sempre. O amor que nos mantem vivos. Nasci para amar. Para manifestar esse amor em gestos simples. Palavras escritas. Palavras ditas. Silêncios. Olhares e abraços. Em cada coisa que faço preciso ser amor. Esse amor puro que parece ter sido maculado pelo nosso orgulho e superficialidade. Não deixe o amor morrer. Ame mais. Não, não diga que você ama. Apenas ame. E só.
Sinto-me agora diante de uma porta fechada. Estou pronto para abri-la. A porta tem um número estampado. 2013. Não sei e ninguém sabe o que há atrás da porta. Somente saberei se tiver a audácia e a coragem de abri-la. Quero abrir. Quero saber o que há. Que me despedir com um sorriso emoldurado no rosto e com o coração saltitante de gratidão por 2012. Quero ir. Já disse, mas preciso repetir. Minha sina não é ficar. Por isso, eu vou. Venha comigo. Me dá aqui sua mão. Eu também tenho medo de vez em quando. Mas juntos a gente consegue. Não seja tão orgulhoso. Nós precisamos um dos outros. E reconhecer isso também é saber-se limitado.
Vamos juntos. A porta precisa se abrir. Vamos seguir. Sempre em frente.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Eu me afoguei


Queria poder me rasgar inteiro para te enfiar dentro de mim e te fazer ficar comigo pra sempre. Colado em minha existência.  Grudado em minhas carências. Enraizado em meu peito machucado por tantos nãos que meus ouvidos receberam. Sim, eu sei que a vida não é feita somente de sins. Mas o não sempre machuca um pouco. E, de não em não, a ferida vai ficando maior, e, o desejo de ser curado por um doce sim, aumenta.
O meu desejo aumentou à medida que você estava mais perto de mim. Quanto menor a distância, maior é o perigo. Sempre quis viver assim. Correndo esses tremendos riscos e esses perigos. Eu disse sim de repente e você correspondeu ao meu chamado. Nossos sins se encontraram e você chegou perto demais. Um beijo me toca a alma. E, além disso, eu só posso querer mergulhar de cabeça na alma do outro. Mesmo não sabendo nadar. Mesmo quando sua alma me parece ser um imenso mar que provoca meus medos de criança.
O medo tentou me abraçar a alma, mas fugi do seu enlace. Fugi pra longe e perdi o medo de me deixar envolver por teus braços. São dois lados. Os dois são convidativos. De um lado, o medo me dizendo que é perigoso demais, que posso me afogar, que posso me perder e nunca mais encontrar o meu porto seguro. Só que existe o outro lado. Os teus braços. Os braços que pareciam ser o meu porto seguro. Pena que nem todo porto se mantem seguro pra sempre. Naquele instante em que mergulhei em você, esqueci de mim. Somente te queria em mim. E a cada segundo, a cada batida do meu coração, a cada respiração, a cada beijo, a cada toque, a cada arrepiar, eu te queria mais. Mergulhava em você. Nadava em você. Não queria mais a superfície ou a segurança da terra firme. De alguma forma eu me sentia seguro em tuas águas. Elas me faziam bem. Elas me convidavam pra ir mais fundo e esquecer de tudo. Eu esqueci cada pequeno detalhe que me assombrava.
Eu me afoguei. Você não me queria mais em tuas águas. Eu me senti uma sujeira indesejável. Terrível é ficar onde você não é bem-vindo. Triste é querer permanecer quando estão te apontando a porta de saída. Angustiante é querer abraçar quem está com os braços cruzados. Eu quis saber o porquê. Eu quis te entender. Eu quis uma explicação. Eu não entendo porque você me convidou a nadar em tuas águas pra depois me fazer afogar nelas. Sei que meu querer, às vezes, sufoca alguns corações. Mas eu te queria tão baixinho. Meu querer nunca foi tão manso. Mas você era mais um ‘não’ na minha vida. Talvez um sim que iria se transformar em não. Na vida é assim, a gente mergulha pra depois se afogar. Vez em quando até morremos. A verdade é que eu morri em você. E agora eu quero ressuscitar em outro coração, em outros braços, em outro olhar, em outros lábios. Para poder nadar sem medo de me afogar de novo. Sem medo de morrer mais uma vez. A vida também é feita de mortes. Um dia a gente morre e no outro dia a gente ressuscita.
Por favor, vem para que eu ressuscite.


quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Escravizados por um sentimento


Amar é uma experiência maravilhosa. Apesar de saber que também pode ser bem dolorosa. Aquela dor bem aguda pode atingir as profundezas do nosso ser. E nem sempre há um remédio que cure essa dor. O amor vez em quando me parece ser uma dor incurável. Mas, no fundo, sei bem que sempre há um momento de brandura, de paz e de alívio. O amor não é feito só de dor, assim como não é feito só de jardim florido e passarinhos voando e cantando livremente num dia ensolarado. E por mais que eu tente dizer o que é o amor, mais ele fica incompreensível aos meus sentimentos (im)perfeitamente humanos.
Apesar de achar o amor um dos sentimentos mais bonitos que existe, penso que ele pode ser um muito perigoso para quem não sabe lidar com ele. O amor é forte ao mesmo tempo em que é frágil. Sem cuidado, o amor não dura. Sem cuidado, o amor só fere e nunca cura. O amor é um mistério que nossa alma deseja desvendar. Quanto mais se tenta, mais se ama. Talvez esse seja o segredo de amar. Tentar amar, sentir que não consegue amar, e, sem saber que está amando, amar. O amor acontece quando estamos um pouco distraídos e despercebidos. Quando de repente nos deparamos já estamos mergulhados e completamente imersos na imensidão desse mistério.
E como cuidar? Eu não sei. Acho que ninguém tem uma lista com dicas. Você tem? Se tiver, por favor, me mostre. Pois eu queria muito aprender a amar sem nunca deixar-me escravizar por esse sentimento. Infelizmente muita gente acaba assim. Escravo do que sente. Muita gente perde a vontade de viver sua própria vida pra viver a vida do outro. Muita gente deixa o outro imprimir seus sonhos, desejos e gostos em seu coração. Muita gente nem se conhece mais, porque se perdeu tentando encontrar um caminho pra chegar mais perto do coração do outro. Muita gente perdeu a dignidade porque queria só mais uma migalha do amor, da atenção, do afeto e do carinho do outro.
Até onde nós chegaríamos para ter aquela pessoa ao nosso lado? Não sei. Mas penso que não temos limites quando se trata de querer se sentir amado por alguém. Todo mundo gosta de receber amor. Cada um de nós nasce com essa carência grudada na pele. Precisamos de palavras, gestos ou de qualquer outra coisa que acenda a luz e diga ao nosso coração que tudo está bem. E que existe amor no outro. É terrível perceber que esquecemos o nosso amor próprio quando estamos amando alguém.  Não importa se o outro fica no talvez, na dúvida, na incerteza, no silêncio. A gente se contenta com palavras gotejadas no dia-a-dia ou de vez em quando ou de-vez-em-nunca. A gente se submete na esperança de que um dia o tal amor possa dizer que sim, que tudo está certo, que ele sente o mesmo, que vocês vão poder dar as mãos novamente e caminhar lado a lado. E tentar reescrever uma nova história ou, quem sabe, continuar escrevendo uma história que ainda não acabou.
Mas pena que a gente se cansa um dia. Um dia o cansaço nos faz abrir os olhos e ver que o outro não merece estar ocupando todos os espaços da nossa vida e das nossas esperas. E que não dá mais pra alimentar a alma sedenta de amor só de palavras e promessas que nunca se cumprem. Não basta só dizer que ama. O amor não é feito só de palavras. Seria tão bom se fosse. Amar seria mais fácil se fosse só dizer que ama. Mas amar não é só isso. As palavras que não são acompanhadas de atitudes se tornam palavras vaziam e morrem dentro da gente. E, o pior, acabam morrendo junto com a nossa esperança. Porque, querendo ou não, a gente sempre espera que algo mude e que as palavras deixem de ser só palavras, para se transformarem em ação.
Sei que há muitas pessoas já ciaram nesse precipício e nem sabe mais como voltar. As palavras ilusórias foram atraindo cegamente seu coração para o abismo profundo da desilusão. Muitas vezes isso acontece. O outro chega, diz meia dúzia de palavras que a gente gosta de ouvir e depois que conseguiu o que queria, se vai sem deixar vestígios de que irá voltar. E você continua aí, dentro desse abismo, esperando que ele volte pra te buscar. Desculpa, mas nem sempre o outro volta. Há pessoas que se vão pra nunca mais voltar. Fazem o estrago e deixa a gente pra aprender a se cuidar e a se curar.
Por favor, aprenda a escalar esse abismo. Não espere mais. Não se iluda mais. Sei que as palavras molhadas pelo veneno da ilusão ainda ecoam dentro de você. Mas não desista agora de você. Olhe pra cima. Ou melhor, olhe pra dentro de você. Sei que dói ainda. Sei que a ferida ainda está aberta. Mas se você se fechar as coisas só vão piorar. Entenda, ou tente entender, que nem todo mundo sabe o que é amor de verdade. As pessoas entendem mais de corpo a corpo, boca na boca e só. Muitos estão vazios. Mas você sabe que ainda existe amor aí dentro desse teu peito surrado de tanto sentir as dores dessa vida. E é esse amor que te mantem vivo e que te faz querer viver de novo. Não deixe mais que o outro leve a sua vida junto com ele. Não se prenda mais aos passos que não quiseram ficar e nem às promessas que não quiseram se cumprir. Acredite que você é bem maior que isso. Sei que é difícil sentir que existe uma saída. Mas existe. Sempre existe.
O amor é essa esperança que nunca morre dentro de nós. Enquanto houver amor sempre haverá esperança. Quebre as correntes que ainda te prende. Você não nasceu preso a ninguém. Você nasceu livre. Você nasceu passarinho que não foi feito pra viver engaiolado. Veja-se livre e queira ser livre. Livre do domínio do outro. Ainda que esse domínio seja quase imperceptível ou sútil. Voe, passarinho. Voe para outro ninho. Não fiquei mais no meio desses espinhos esperando que alguém venha te curar. Vá buscar sua cura em outro lugar. Peço agora que você vá. A gaiola está aberta. É só voar. Acredite. O amor te fará alçar voo. Alcance o que é seu. Queira somente o que é seu. Não queira mais o que é dos outros. Talvez só assim o outro volte um dia. Ou não. O importante é que você já sabe a verdade. Você é livre. E pode voar.
Voe.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Mordidas delicadas em minha alma


Tatuei a tua pele com o dedilhar dos meus dedos sensíveis e, ao mesmo tempo, urgentes. Não queria sentir apenas teu corpo sobre o meu, tua pele deslizando na minha pele, tuas mãos tocando com firmeza meu corpo.  Quisera eu que tuas mãos varassem minha pele e tocassem o lugar mais profundo, secreto e escondido da minha alma. Eu te deixaria ir aonde ninguém mais foi. Nem mesmo aquele a quem eu entreguei o sentimento mais puro que já pode existir em mim.
Mas, de mim, eu queria te dar absolutamente tudo. Todo esse amor cravado nas profundas da minha existência. Acho que existo tanto para o amor, que não consigo me imaginar sem ele me rondando o olhar, as palavras, os gestos, o caminhar, o respirar. Meu beijo era entrega. Meu olhar era entrega. Meus olhos fechados eram uma entrega e confiança total em você. Meu toque era entrega e dizia o quanto te queria. Queria-te tão junto a minha pele que precisava te abraçar bem forte junto ao meu corpo. Minhas mãos queriam submergir teu corpo até te tocar por dentro somente pra te ver sentir o quanto o meu desejo era intenso.
Teus beijos me mordiam a alma delicadamente e eu só queria mais e mais e mais um pouco e de novo. Até que você devorasse por inteiro. Já não quero mais o toque que não toca ou o beijo que não beija. Quero tudo verdadeiro e real. Quero a tua alma nua deitada sobre minha cama desfeita, para que eu possa aconchegar a minha alma sedenta. Só quero me enrolar nos teus braços e me deixar aquecer até que o dia passe, e possa olhar-te nos olhos em silêncio e dizer o quanto estou feliz por te ter do meu lado.
Com meus olhos enxergo além do que você conseguiria imaginar. Você vê a superfície. Vê meu nariz vermelho. Minha pele exageradamente branca. Meu cabelo bagunçado. Você não vê o quanto te quero. Eu tentava te olhar nos olhos. Mas meus olhos não conseguiram encontrar um caminho até os teus. Então silenciei. Adormeci todas as minhas palavras em tua pele morena. E agora só espero que depois da tua partida você ainda se lembre de mim. Esqueci tanta coisa em você. Volte para buscar o teu corpo que ainda está deitado sobre minha cama. Não suporto mais olhar pra ela e te ver. Não consigo sentir teu cheiro sem ficar inebriado e sentir um salto repentino em meu estômago. Preciso me desintoxicar do teu perfume. Preciso me livrar dos teus olhos compenetrados nos meus. Preciso me livrar do teu rosto grudado em minhas mãos. Preciso me livrar dos teus dedos sobre meu pescoço. Do que preciso não sei o que terei. Sigo assim. Precisando. E só.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Cuidar de mim


Pensava que eu tinha braços de borracha e que eu podia abraçar o mundo inteiro e trazer cada pessoa pra junto do meu peito.  Pensava que eu podia enxugar todas as lágrimas, descansar todos os corações cansados, dar colo aos corações carentes, dar abrigo nos dias de tempestade aos corações amedrontados e angustiados. Mas eu nunca pude fazer tudo. E até me senti frustrado por não poder ser o que eu sempre quis ser. Eu sempre quis ser mais. Nunca me importei com os limites do meu corpo e da minha vida que dizem que eu não posso e que não há como abraçar o mundo sem antes me abraçar primeiro.
Pode parecer estranho e meio dramático, mas eu não sabia cuidar de mim. Eu cuidava melhor dos outros do que de mim mesmo. Recebia a vida do outro em meus braços, mas os cruzava para a minha própria vida. Acho que eu vivia mais a vida dos outros do que a minha. E aí vivia de adiar o que estava pedindo uma resposta e uma decisão definitiva. Quando chegou a distância, o afastamento, a lonjura dos corpos e até dos corações, pude perceber o quanto deixei a vida passar sem vivê-la como devia. Deixei de me dar amor, carinho e atenção. Esqueci das minhas feridas para cuidar de outras. Não me arrependo disso. Jamais vou me arrepender de ter feito o que fiz ou do que faço. Se faço, pode ter certeza, que faço com amor. Não faço pra te pedir algo em troca. Se derramo remédios e faço curativo sobre tuas feridas, é porque assim sinto que devo fazer. Essa é a minha missão. Mas não posso jamais esquecer que dentro de mim existe imensas feridas precisando de cuidados. Esqueci muitas vezes de mim. E me esqueci em muitos corações na esperança de que, as pessoas me tinham, fossem me cuidar com o mesmo amor. No entanto, nem todo mundo cuida, nem todo mundo quer se sentir responsável por cuidar das feridas de alguém.
Cada um precisa aprender a cuidar de si mesmo. O outro chega e um dia infelizmente pode ir embora. Mas nós estamos sempre ao nosso lado. Não tem como sair de dentro de nós mesmos e tirar férias. Por mais que queiramos isso é impossível. Eu não queria e nem quero mais viver outra vida. Quero viver a vida que tenho. A vida que Deus soprou em meu corpo pequeno, magro e frágil. Já quis fazer as malas, arrumar tudo, escrever carta de despedida que faz chorar e me mandar daqui dentro de mim. Não suportava a minha realidade. Não suportava fechar os olhos e me ver no espelho da minha alma. Eu sempre via o que não queria viver. Pesadelo. Horror. Angústia. Tudo me comprimia como meu corpo comprimi a minha alma dentro de mim. Queria uma resposta. Queria uma solução pra tudo isso. E era tão simples, tão fácil, tão real. Era só abrir os braços e me receber como aquele pai que recebe o filho depois de ter partido para uma longa viagem.
O cansaço me fez abrir os braços. Me recebi como nunca recebi outra pessoa. Aceitei o que sou e o que nasci pra ser. Lá, há uns mais ou menos vinte anos atrás, quando era gerado no útero da minha mãe, me foi concedido a graça de ser o que sou. Foi germinado em minha alma a minha missão, o meu querer, a minha responsabilidade, os meus desejos, os meus segredos. Tudo de mim começou quando eu comecei a ser formado e tecido.  E me abraçar foi como voltar ao útero de minha mãe para reconhecer que já nasci assim. Condicionado a sentir mais do que devo sentir. Condicionado a amar demais. Condicionado a deixar pedaços de mim por onde passo. Condicionado a olhar além do corpo. Ver a alma. Ver o que ninguém é capaz de ver, e sentir o que ninguém seria capaz de sentir. Ver beleza onde tudo mundo só vê feiura. Às vezes, eu me confundo com as pessoas. Olho e acabo sentindo o que ela sente. É estranho. Eu sei que é. Vez em quando eu nem entendo. Mas sentimento a gente não entende. Apenas sente.
Agora sei. Agora sinto. Agora vejo. Posso cuidar de mim. Posso me embalar entre meus braços. Posso me dar amor. Posso direcionar meus passos. Posso escolher meus caminhos. Posso ser mais feliz. E posso continuar com meus braços (e coração) abertos para receber quem quer chegar. Quem quer amar. Quem quer se doar. Não deixei de amar ninguém. Pelo contrário. Amo ainda mais. Porque aprendi a me amar. E dou aquilo que tenho comigo. O amor que me tenho é o mesmo amor com que te amo. Só. Se te cuido, cuido como se estivesse cuidando da minha própria vida. Se te toco, toco como se estivesse tocando o meu próprio coração. Se te abraço, abraço como se estivesse abraçando meu próprio corpo. E assim eu sigo cuidando... De mim. De ti. E de nós.


sábado, 1 de dezembro de 2012

Coração borrado


– Não fique tão perto assim.
– Assim como?
– Assim, desse jeito que você está.
– E como eu estou?
– Você está encostando sua pele na minha. Eu posso sentir.
– Mas é tão suave e eu quase não sinto a sua pele.
– Eu sei que pra você é suave e é quase nada. Mas quando a tua pele encosta de leve na minha eu sinto que vou explodir e te ferir com meus espinhos.
– Calma. Você não vai me fazer mal.
– Tenho medo de te machucar. Te quero demais. Te sinto demais. Te desejo demais. Tudo grita em mim. Enquanto você faz silêncio eu estou gritando com meus olhos, com meus lábios, com cada centímetro da minha pele. Meus pelos ficam eriçados quando a sua mão encontra a minha nuca. Desejo me deitar sobre o seu corpo e me deixar ali pra sempre.
– Você está bem?
– Não, eu não estou bem. E não queria te dizer como estou e os motivos de eu estar assim agora. Só queria que você me olhasse nos olhos e entendesse tudo aquilo que não sei dizer. Estou cansada.
– Cansada do que? Me diz.
– Cansada de dizer tudo. Cansada de me explicar sempre. Cansada de ficar dando nomes às minhas insuportáveis e inúmeras angústias. Cansada de ser incompreendida. Cansada de pedir. Queria não precisar pedir. Queria receber sem pedir. Queria que você apenas me desse colo e não me pedisse palavras ou explicações lógicas. Só quero descansar.
– Então vem cá. Senta aqui no meu colo.
– Mas eu pedi antes. Eu te disse que queria. Você só está me oferecendo seu colo porque eu praticamente te implorei isso.
– Não importa. Para com isso agora! Eu te quero.  E mesmo que eu não diga tudo que você quer ouvir, saiba que eu te quero. Estou aqui agora. E te quero. Entendeu?
Semicerrou os olhos. E chorou. Ele a pegou pelos braços para junto do seu peito e colocou-a em seu colo. Ela borrou a camisa dele com o rímel que havia passado antes de sair de casa. Eles pretendiam sair para uma balada. Mas ficaram. Ficaram ali. Onde o amor aconteceu em lágrimas, colo e silêncio. Ele ficou com o coração borrado pela imensa necessidade que ela tinha dele. E ela ficou com o coração leve, pois no silêncio, e no tocar de seus corpos, todo peso que havia sobre ela foi consumido pela certeza do amor que ele tinha por ela.