cansada.
fumei um dois três cigarros. não me importo com meus pulmões. eles que tentem
me suportar agora e se empenhem em me manter viva por mais algumas décadas. eu
não quero me livrar agora. quero ser a fumaça soprada por minha boca. o cigarro
e eu somos um só agora. agora eu não mais me despeço. calo-me. quando me calo
encho minha alma de calos. silenciar é viver dentro de um sapato apertado. meu
corpo é apertado demais. colocaram-me - e agora é minha alma quem diz - no
corpo errado. viver e tentar se encaixar dentro do próprio corpo. viver e
tentar se encaixar no corpo de alguém. viver e fumar ao lado de alguém e
esperar que esse alguém te fume uma duas três quatro... infinitas vezes até que
você se consuma e suma do mundo e o mundo, que nunca soube da sua existência
patética, jamais saiba que um dia você ousou tentar limpar uma sujeira que não
pode ser limpa. estou me sujando toda tentando limpar a sujeira deles. e eu não
preciso que ninguém mais saiba que existo. basta que você saiba. você não sabe
que existo apesar de passar por mim todos os dias na mesma esquina, no mesmo
horário, no mesmo desejo que se seca gota após gota por não haver uma boca que
(me) beba. mesmo não sabendo de mim estamos no mesmo quarto, na mesma cama,
cobertos pelos mesmos lençóis. escondidos do mundo. eu me escondo em você. você
se esconde em seu próprio corpo. e de dentro do teu corpo eu apenas vejo o meu
corpo. vazio. desabitado. antes que as paredes desabem sobre nossos corpos eu
desabo a minha existência sobre a tua existência. que sejamos só destroços
[reticências]