segunda-feira, 26 de maio de 2014

Suja


cansada. fumei um dois três cigarros. não me importo com meus pulmões. eles que tentem me suportar agora e se empenhem em me manter viva por mais algumas décadas. eu não quero me livrar agora. quero ser a fumaça soprada por minha boca. o cigarro e eu somos um só agora. agora eu não mais me despeço. calo-me. quando me calo encho minha alma de calos. silenciar é viver dentro de um sapato apertado. meu corpo é apertado demais. colocaram-me - e agora é minha alma quem diz - no corpo errado. viver e tentar se encaixar dentro do próprio corpo. viver e tentar se encaixar no corpo de alguém. viver e fumar ao lado de alguém e esperar que esse alguém te fume uma duas três quatro... infinitas vezes até que você se consuma e suma do mundo e o mundo, que nunca soube da sua existência patética, jamais saiba que um dia você ousou tentar limpar uma sujeira que não pode ser limpa. estou me sujando toda tentando limpar a sujeira deles. e eu não preciso que ninguém mais saiba que existo. basta que você saiba. você não sabe que existo apesar de passar por mim todos os dias na mesma esquina, no mesmo horário, no mesmo desejo que se seca gota após gota por não haver uma boca que (me) beba. mesmo não sabendo de mim estamos no mesmo quarto, na mesma cama, cobertos pelos mesmos lençóis. escondidos do mundo. eu me escondo em você. você se esconde em seu próprio corpo. e de dentro do teu corpo eu apenas vejo o meu corpo. vazio. desabitado. antes que as paredes desabem sobre nossos corpos eu desabo a minha existência sobre a tua existência. que sejamos só destroços


[reticências]

sábado, 24 de maio de 2014

A pele e a navalha


a pele é a fantasia
da alma.
em sublime calma
teus dedos me rasgam de alto
a baixo.
embaixo dos teus dedos - ou
entre eles - há
uma navalha que satisfaz a
insanidade do meu desejo
dispo-me da minha própria pele.
preciso mostrar-te as vísceras, a carne,
o peito cheio de pus, o sangue
dou-te a beber de mim
você
se sacia na fonte que está
quase
secando.
teus olhos se apartam dessa terrível
visão.
a verdade do que sou (?)
te escureceu as pupilas.
queimaram-se - as duas - nas chamas
do meu desejo e
as minhas dores
foram sorvidas pelo oco espaço opaco
vazio
estamos separados entre a superfície
e
a fundura do sentir.
enquanto eu me afogo você
me observa distante longe alheio
bebo cada gota como quem está
num deserto há dias
o sol escaldante queimando a pele
queimando as próprias chamas
entre meus ossos você escondeu
a ânsia de uma procura por aquilo
que você nunca perdeu.
também eu me ocupo em tentar
me livrar do mundo e dos seus olhos
tentando
me engolir aos poucos em pequenas
mordidas e logo estará tudo - eu você e
o mundo -
acabado.

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Sacrifício


quatro olhos
uns gritando e outros
tentando escutar
quatro mãos
tentando tocar o intocável
quatro pernas
cruzando umas nas outras
tentando fazer
nó no corpo meu e o corpo teu.
quatro paredes e eu posso
sentir
o peso delas sobre nossos corpos
nenhum ruído rachadura nada
estremeceu. está pesado demais.
te vejo revirar de um lado
para o outro e eu ficando louco
e você não se importando nenhum
pouco é suficiente para que eu es-
corra entre as tuas virilhas.

rubro.

sangue cintilando as paredes
do quarto
sangue maculando o lençol
alvo
sangue meu sangue teu
nossos sangues se lavam
e se banham em si mesmos
não é homicídio
não foi suicídio
foi – e é – sacrifício
oferto-me.

eis-me corpo nu
eis-me alma crua
a frieza e a quietude das paredes
contemplam aquilo que
o mundo é incapaz
de conceber.

o gozo lava leva limpa.

eu me sepultei no teu corpo
e você dividiu a tua
sepultura.