sexta-feira, 17 de maio de 2013

Um conto sem título


A mesa estava posta desde o pôr-do-sol. Ela não queria que alguma coisa desse errado dessa vez. Não que houvesse acontecido outros encontros entre os dois. Aquele era o primeiro, e talvez único encontro. Afinal, é preciso considerar todas as hipóteses. Ela sabia bem disso. Já havia sofrido muitas decepções. Já havia alçado voo nas asas das expectativas e também havia caído de cara no chão por conta da realidade que, quase sempre, faz questão de cortar as asas de quem se ilude demais. Coração bobo. Coração cheio de sonhos e ilusões. Coração cheio de amor e carências. Um coração de menina. Um coração de mulher. Muitos corações dentro de um só corpo. Muitos desejos numa só pele. Muita sede num só olhar. Ela era um excesso em pessoa. Mas naquele momento ela precisava estar serena e calma. Por isso, a pressa com a arrumação de seu pequeno apartamento de frente pro mar. Aquela vista era realmente linda. Ela estava na varanda que dava de frente para o mar e para o esplendido pôr-do-sol. Não havia forma melhor de se aquietar um pouco antes das sete e meia. Esse era o horário em que haviam marcado o tal primeiro encontro. Na verdade, eles já se conheciam. Na verdade, eles já se namoravam. Pelo olhar. O olhar dela sempre o beijava todos os dias quando eles se cruzavam em sua rotineira caminhada matinal. Ele sempre distraído. Ela sempre atenta. Ela nunca desperdiçava uma oportunidade. Tudo era uma possibilidade de amor. Talvez esse fosse o principal motivo de tantas decepções. Mas, enfim, ela o namorava com o olhar. Ele não sabia disso. Porém, numa manhã um pouco acinzentada, ela tropeçou enquanto tentava encontrar o olhar dele. Ela era desengonçada. Mas isso foi a seu favor naquele momento. Ele ofereceu ajuda e perguntou se estava tudo bem. Ela corou de vergonha e sorriu meio sem graça com o toque gentil dele sobre seu ombro. Ela desejou que ele nunca mais tirasse a mão do corpo dela. Mas logo ele o fez. Ela disse que estava tudo bem e agradeceu pela preocupação. Ele continuou e ela seguiu um pouco grogue e cambaleando. Aquele olhar. Aquele olhar era o vinho para a alma dela. Ela não costumava beber muito. Não sabia como era estar bêbada. Sempre achou uma fuga da realidade e covardia beber até ficar embriagada. No entanto, de embriaguez da alma ela entendia muito bem. Foi justamente aquele olhar que a fez ficar embriagada. E como um viciado em álcool ela sentia uma necessidade enorme de tomar mais daquela bebida. Ela queria mais aquele olhar. Os dias passaram. O olhar dele deixou de ser indiferente. Ele começou a percebê-la. Os contornos do seu rosto magro. As ondas em seus longos cabelos louros, amarrados num rabo de cavalo. Pra ele, ela poderia ser só mais uma. Mas, pra ela, ele era mais que isso. Mais que um corpo dotado de músculos e beleza. Eles faziam caminhos opostos, mas, depois de algumas conversas, num banco qualquer da orla da praia, eles decidiram caminhar juntos. Um adentrando o território do outro. Ninguém mais estava na contramão. Primeiro o nome, depois o sobrenome, depois o-que-você-faz-da-vida, e depois aonde-você-gosta-de-ir. E aquele punhado de perguntas até chegar ao famoso quer-jantar-comigo? “Seria ótimo.” Essa foi a resposta dele ao convite dela. Ele não era de muitas palavras. Dizia sempre o necessário. Ela sempre tinha que controlar a vontade que tinha de despejar sobre ele o seu mar de palavras. Mas ela sabia que ele poderia se afogar. Depois do convite, veio a insegurança. Impossível é encontrar uma pessoa que seja segura em relação ao amor.  Como seria? O que aconteceria? Sem se arriscar, ela jamais saberia. A campainha toca e ela se assusta como se estivesse dormindo. Ele chegou. O coração salta freneticamente em seu peito. Ele chegou. Ela quer que dê certo. O vinho estava sobre a mesa. Ela não pretendia beber muito. Tinha medo da mistura de álcool com o olhar embebido de mistérios dele. Foi até a porta, respirou fundo e abriu. Ele sorriu e ela retribuiu o sorriso.
– Posso entrar? – Ele perguntou.
– Entre. – Ela respondeu desejando que ele pudesse ficar pra sempre ali com ela.
Jantaram. Conversaram. Beberam vinho. Ela estava embriagada pelo olhar dele e certa de que ele era um perigo pra ela. Mas ele era o melhor perigo que ela poderia correr. Quando ele a tomou pela cintura e a beijou ela sentiu que os beijos dele eram como um veneno. E quanto mais ele a beijava, mais ela queria. Ela queria o veneno doce que os lábios dele ofereciam. Ele não queria mais uma. Ele a queria. No simples. Nas palavras. No olhar discreto com que ela perscrutava cada movimento dele. Ele a queria com toda aquela urgência e insegurança de mulher. Ele deixou de ser moleque-que-quer-só-uma-transa. Ele desejava ser o lugar seguro para ela. Ela queria se abrigar nele. Eles queriam ser um. Quando eu olhava pra ele, enxergava-a. E quando eu olhava pra ela, enxergava-o. Os dois se confundiam. Os dois se misturavam de uma forma linda. Eles não formavam um casal perfeito. Isso não existe. Eles aprenderam a juntar suas diferenças, suas limitações para serem pessoas melhores. Um para o outro. E em cada limitação eles se construíam, se destruíam e voltavam a se reconstruir. Amor é isso. É estar indo ao chão e se reconstruindo tantas e tantas vezes. 


Um comentário:

Traga um sorriso ao meu coração :)