sábado, 4 de maio de 2013

Ela e a luz


Abriu as janelas do quarto. Era um novo dia. Mas, por dentro, ainda havia sobras de um ontem amargo e mal vivido. Quisera ela que as janelas de sua alma se abrissem com a mesma facilidade que as janelas de seu quarto se abriam. Suas forças se esvaíram e ela foi ao chão. Sua alma se trancou dentro de si com medo da luz do dia. Depois que se passa muito tempo na escuridão, a alma da gente se acostuma com os breus e deles não quer mais se apartar.
Era assim quando ainda estava segura, tranquila e protegida do mundo, no seio materno. Ela desejou regressar ao útero de sua mãe. Lugar secreto, escondido, o melhor canto de mundo que já foi criado. Queria aquecer sua alma, invernada, nas centelhas do amor, no entanto, só lhe restou a solidão e o frio existencial sendo acolhidos pelo piso claro de seu quarto meio bagunçado.
Tudo bagunçado. Do lado de fora é muito fácil arrumar, colocar em ordem, deixar limpo. Mas, quando se trata do lado de dentro, a gente se perde e esquece que o tempo tem se apressado e não temos conseguido acompanhar seus largos passos. O tempo. Ah, o tempo passa. Ela não. Ela se recusava a passar com o tempo. Tudo bagunçado. Esqueceu? Ela deixou o passado bagunçado. O passado morava em seu presente. E o seu presente nunca era vivido. Quis, mais uma vez, ter forças suficientes pra se levantar, se manter firme diante das janelas abertas e deixar o sol aquecer seu corpo esguio de menina.
Levantou-se e sustentou todo o peso de seu corpo sobre os pés de bailarina que desistiu da dança. A vida tocava, mas ela não dançava mais. O peso da culpa e o medo de aceitar suas falhas incapacitaram-na de dançar. Tudo escuro. Tudo sujo. Tudo pesado. Tudo bagunçado. O mundo estava sobre suas costas. Suas costas carregavam o mundo. A leveza da menina se foi quando ela decidiu que ia crescer. E crescendo, esqueceu de suas limitações.
É preciso se perdoar, menina. Aceitar que aconteceu. Aceitar que não deu. Aceitar que há dias escuros que só voltaram a se iluminar quando abrirmos as janelas da alma sem medo da luz. Os breus que nos cobrem a alma são os medos que nos limitam a visão. Você sabe. Eu já te disse, menina. Você deve ter esquecido. Ver, ou melhor, enxergar dói. Ver além da superfície é mergulhar com os olhos. E quando dói muito a gente prefere ficar cego.
Ela abriu os braços como se pudesse abraçar toda luz e quentura que emanavam do sol naquela manhã. Sentiu-se estranhamente confortável com aquela luz tocando sua pele e com o calor que tomava seu corpo. Cerrou os olhos com força e desejou intensamente voltar à superfície. Era como se a luz pudesse penetrar sua pele e beijar sua alma. E, no beijo, se tornaram uma só. A luz e ela. Ela e a luz.

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