[esqueci
de crescer - por dentro. esqueci também quantos nomes já tive. mas não esqueci
que eu vivia sozinho, medroso e assustado no canto da sala, do quarto, da vida.
vez em quando nem os braços mais fortes são capazes de me livrar do meu
desamparo e nem proteger minha inevitável desproteção. acho que nunca tive um
peito de ferro. o amor não sobreviveria. talvez nem eu conseguiria sobreviver
sem amor. ainda que adormecido embaixo dos delicados detalhes do cotidiano o
amor continua ali, vivo, respirando. meu peito sempre foi de carne, sempre
sangrou, sempre doeu. e, quando não doía, sentia medo e ficava assustado e até
um pouco desesperado. quando a dor faz silêncio, não sei se curou ou se morri.
nunca soube lidar com uma existência indolor. mas não sou masoquista. só
preciso me sentir vivo. e eu vivia ainda que sempre estivesse esgueirando-me
pelas beiradas da vida pra ninguém perceber que algo eu escondia. não havia
nada a esconder, mas eu escondia até de mim. lembro-me que confundia manequins
com pessoas. estendia a mão para eles e os cumprimentava na esperança de que me
respondessem. manequins, muitas vezes, são mais vivos que pessoas. e pessoas
parecem ser mais sem vida do que manequins. meu olhar varre todos os cantos
numa rua cheia. pessoas andam freneticamente de um lado ao outro, atravessando
no sinal vermelho, esbarrando no ombro alheio, desviando com astúcia dos que só
querem fazer algumas perguntas. meu olhar não encontra outro olhar. meu olhar
se afoga nesse mar de almas apressadas. e a pressa e o descuido e o medo de ter
sua solidão violada fizeram das pessoas manequins. e agora eu, que confundia
manequins com pessoas, confundo pessoas com manequins. e estou tentando, quase
inutilmente, encontrar um resquício de vida embaixo de cada manequim. que, na
verdade, são pessoas que nem olham pra mim]
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Traga um sorriso ao meu coração :)