Desculpa,
mas preciso voltar a te dizer uma coisa. Ainda sou criança por dentro. Criança
birrenta, criança carente, criança medrosa, criança curiosa... enfim, em mim
habita várias e diferentes crianças. Mas há uma que me veste a alma de profunda
tristeza e ausência. Não posso te ver e essa é uma verdade incontestável. Por
favor, não me julgue. Não posso te ver mas. É melhor assim. Não sei se é o melhor
pra você. Só sei que não é bom pra mim.
Pode
dizer que tenho um coração de pedra ou frio. Apesar de saber bem que não tenho
um coração assim. Se realmente tivesse, não sentiria tudo isso que sinto quando
estou perto de você. Perto e longe ao mesmo tempo. Há um abismo entre nós. Um
abismo que o tempo fez questão de tornar mais largo e mais profundo. Penso que seria
melhor não ver certas pessoas porque, afinal, elas sempre acordam sentimentos
que antes estavam adormecidos. O tempo também foi o grande responsável por esse
acontecimento. Carências, mágoas, ressentimentos e desafetos foram adormecidos
dentro de mim. Mas quando toda vez que te olho nos olhos me sinto como uma
criança de apenas sete anos que precisa de colo.
Tudo
acorda em mim. Por isso, sempre evito de te olhar nos olhos. Eles sempre me
entregam. É sempre assim. Meus olhos denunciam a minha necessidade absurda de
correr para o seu abraço e deitar no seu colo por tempo indeterminado. Quem
sabe todo o tempo que a gente perdeu se dissolva com um gesto demorado. Meu
corpo deitado no seu. Meu ouvido encostado no seu coração. Talvez exista amor
dentro de você. Dizem que cada pessoa ama do seu próprio jeito. Mas que jeito
estranho de você me amar, né? Não sei se isso é amor. Desculpa (mais uma vez)
mas acho que você não me ama. Perdoa-me se te julgo agora. Mas é o que sinto, e
sempre costumo dizer o que sinto.
Toda
vez que te vejo te sinto como um estranho. Alguém distante. Alguém que não
tenho nenhuma intimidade e nenhum laço (a não ser o sanguíneo). Você me fez
perceber que os laços de sangue se tornam muito frágeis quando não se tem
proximidade e troca de afeto. A sua ausência já se tornou comum.
O
tempo passou para nós dois. Não tenho mais sete anos. Já tenho vinte anos. O
tempo deixou feridas difíceis se curarem totalmente. Chega um tempo em que elas
cicatrizam. Mas permanecem no mesmo lugar. Adormecem. Perdem-se no tempo.
Perdem-se no meio das mãos cheias de amor que outra pessoa me oferece todos os
dias. Ainda bem que existe amor em outro alguém. A ausência do seu amor não me
dói mais como antes. Talvez o amadurecimento sempre traz essa adaptação com as
ausências que a vida tem. Não posso mentir e dizer que não dói e que não sinto
falta. É claro que dói. Só que a dor é mais amena. É claro que sinto falta. Só
que não é tão urgente. Não sei como foi sua infância. Talvez você me trate
assim, porque foi tratado dessa mesma forma um dia. Que pena. A gente precisa
fazer a diferença e dar o que não souberam nos oferecer. Quando a gente dá,
inevitavelmente, recebe. É recíproco. Mas você não deve entender muito de reciprocidade.
Você não deve entender muita coisa. E das poucas coisas que você entende
erroneamente, é que o amor e o afeto podem ser substituídos pelo dinheiro. Que
triste isso.
Fico
tão triste por você. Vivo acumulando a tristeza dos outros em mim. Uma delas é
a de perceber que você não consegue ser pra mim o que deveria ser de verdade.
Guardo comigo, no silêncio da sua ausência, o desejo de que tudo isso mude um
dia. Porque eu acredito na mudança. Sei que você pode. Sei que posso. Sei que
todo mundo pode. É só querer. O que falta em você é isso. Querer. Não posso
querer por você. Então queira, por favor. Queira.
Enquanto
isso, vou passando pelos momentos em que preciso colocar a criança, que vive
dentro de mim, pra dormir. Sossega, criança. É só mais uma tempestade. Pode
dormir. Daqui a pouco ela passa. Mas, às vezes, a criança não consegue dormir.
E quer chorar...
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