Dizem
que os fantasmas aparecem normalmente durante a noite. Eles moram na escuridão.
Acabo de constatar que essa teoria é verdadeira. Já é tarde, alguns galos
cantam e estou no escuro. Levantei e acendi a luz. Uma brisa fria soprou em meus
ombros. Você me veio na memória. Desejei-te por um segundo. O desejo passou tão
rápido assim como chegou. Não entendo isso de você ainda me assombrar. Você se
tornou um fantasma que se esconde nas sombras das minhas lembranças passadas.
Sei que não sinto mais o que sentia. Acho que é só vontade, desejo, carência.
Sei lá o que é. Nessa de tentar ficar dando nome aos meus sentimentos vou
acabar enlouquecendo. O querer é tão pessoal. Você nunca me obrigou a te
querer. Te quis por minha conta e risco. E quantos riscos, né? Muitos. Não me
arrependo. Se pudesse voltar lá, naquele momento, em que estávamos sozinhos,
juntinhos, olho no olho, faria o que não tive coragem de fazer. Tudo bem,
conservo em mim o pensamento de que não era pra ser nós dois. Mas o que eu
sentia era tão real, tão verdadeiro, tão puro. Meu Deus! Eu nunca senti nojo.
Só queria me entregar. Entregar-me mais. E mais. E mais um pouquinho. Dei-te o
que você não me pediu. Porém, sempre esperava ouvir o que você queria de mim.
Eu te daria. Bastava uma simples palavra. Não podia querer por você. Ah, se eu
pudesse. Se pudesse ter te tocado naquele tempo, e fazer com que você me
quisesse com a mesma intensidade com que eu te queria. Queria entrar dentro de
você. Queria te ser um pouco. Só pra você me desejar. Desejar meus olhos.
Desejar meus cabelos. Desejar meus lábios. Desejar tocar meu pescoço com seus
lábios. Desejar meu coração. Desejar a minha pele sob a sua pele. Desejar tudo
de mim. Mas eu nunca pude fazer isso. Seria insano. Comigo tudo foi bem
diferente. Você não precisou fazer muito esforço para que eu te quisesse.
Bastava me olhar com aqueles olhos verdes, tentar puxar assunto, sorrir do meu
jeito desajeitado de correr e sorrir do quanto eu ficava vermelho quando estava
sob o seu olhar iluminado. Você me iluminava. Diante dos seus olhos minhas
sombras eram totalmente dissipadas. Não precisava nenhum pedido. Não conseguia
mentir pra você. Não conseguia ser o que eu não era. Eu era. Era seu. Não sei
você chegou a entender isso. Mas eu era seu. Você vinha e o mundo deixava de
existir. Você não vinha e o mundo existia de uma forma tão dura e tão pesada.
Porque, para o mundo, eu não conseguia ser eu. Você me concedia a liberdade de
ser. Você era o meu melhor esconderijo. Mas agora é diferente. Descobri que não
preciso de você para ser o que sou. Entendo agora que não dependo de você pra
nada. Não preciso mais me esconder. Era só uma dependência. Sua luz não brilha
mais. Sua luz se apagou. Há uma luz mais intensa sobre mim. E essa luz não vem
de você. Quando nossa alma carece de luz fazemos de tudo para sair da
escuridão. Eu me submeti ao seu domínio indireto. Você me dominava sem querer
dominar. Ou você queria me dominar? Não sei. É uma das muitas respostas que não
tenho. Acho que nunca terei. Não sei o que terei logo adiante. Não posso dizer que
nunca te terei ou se você voltará a me ter. Penso que não. É melhor assim. Você
longe de mim. Consigo existir sem você. É tão bom saber disso. Consigo
respirar, andar, viver sem precisar de você. Não preciso mais me esconder do que
sou. Há paz em meu coração. Mas há também um desejo que essa noite fez questão
de me trazer. Desejo de novo. Desejo os seus olhos verdes fixos nos meus olhos
castanhos. Desejo ser sondado pelo seu olhar, que sempre procurava um vestígio
de timidez. Eu era tão bobo. Sua presença matinha a esperança viva. A esperança
de que um dia você pudesse me desejar. Sua ausência matou aos poucos essa mesma
esperança. Ela morreu. Há esperanças que precisam ser sepultadas. É inevitável.
Quando não vale a pena não é bom manter-se esperançoso. Essa esperança morreu
para dar lugar à outra. A esperança de ser totalmente livre de mim mesmo. Para ser.
Para viver.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Traga um sorriso ao meu coração :)