quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Numa esquina da 25 de março


Clara tinha uma alma clara. Alva.
Jonny tinha uma alma acinzentada. Escura.
Certo dia, os dois se trombaram em uma dessas esquinas da 25 de março que sempre estão superlotadas de pessoas.
Clara ficou sem graça. E corou.
Jonny já estava irritado. Como sempre encontrava uma forma de colocar pra fora sua insatisfação com a vida. Ele olhou pra Clara com raiva. E deixou escapar um áspero não-olha-pra-onde-anda-não?
Clara correspondeu o olhar de Jonny. Seu olhar passou de timidez para o de surpresa.
Quem ele achava que era pra falar assim com ela? Será que ele não percebeu que foi um acidente? As ruas estavam cheias e todos estavam praticamente se empurrando pra poder andar. Qual pessoa não vê isso?
Ele, Jonny. Jonny vivia preso em si mesmo. Em seu mundo particular só existia suas decepções, desafetos e agressividades. Ele nunca deixou escapar um olhar de ternura.
Clara, apesar do susto, olhou com ternura pra ele e sorriu. Olhar iluminado e aquecido. Sorriso desconcertante. Não havia quem resistisse à ternura de Clara. Clara era transparente.
Jonny deixou de ser Jonny naquele instante.
Aquele olhar e aquele sorriso cortaram o fio que o mantinha preso dentro de suas amarguras. Ele não sabia como explicar aquela sensação. Claro que, como um bom machista que era, ele jamais iria acreditar nesse blá-blá-blá de amor à primeira vista. Ele não sabia o que havia mudado, mas alguma coisa mudou naquele momento em que aquele olhar olhou pra ele como nenhum outro havia olhado antes.
Há olhares que nos roubam e nos devolvem. Clara roubou o Jonny casca grossa e devolveu o Jonny com algo diferente que nem ele sabia o que era. O que seria?
Clara continuou com seus olhos fixos em Jonny sem dizer nada. Mas dizendo tudo o que Jonny precisava ouvir. Seu olhar pedia calma e acalmava. Seu olhar pedia que o outro se desmontasse e desmontava imediatamente. Clara, doce clara. Clara, com a alma clara, clareava as almas escurecidas.
Jonny carregava em seu peito a tristeza de ter sido abandonado, sem nenhuma explicação, por sua namorada, Lídia. Tudo que ele tinha era dela. O pouco, ele sempre dizia, que tinha era dela. E Lídia levou esse pouco com ela. No dia em que ela acordou antes dele, se vestiu, escreveu bilhete de despedida, deixou ao lado do corpo nu de Jonny. O bilhete diante dos seus olhos anunciava sem anunciar. Uma partida sem explicações. Algo que ele jamais conseguiu entender. Naquele momento, o espaço vazio na cama deixado por Lídia, tomou posse de seu coração.
O coração vazio e nunca preenchido. Mas, de alguma forma, ele sentia que aquele olhar varava as cortinas que ele havia colocado para se proteger do sol.
Os olhos de Clara eram mais intensos que o brilho do sol. E, a luz dos olhos de Clara, começaram a dissipar a escuridão da alma acinzentada de Jonny.
E tudo começou. Em silêncio. Na troca silenciosa de dois olhares. Um iluminado e o outro carecendo de luz.
Olhar alguém nos olhos é construir uma ponte entre dois corações.
Clara fez isso quando se atreveu a olhar para Jonny. Ela não sabia, mas seu olhar acordou a alma adormecida de Jonny. Ela construiu uma ponte e chegou onde ninguém conseguia chegar. Sem esforço. Sem pedido de licença. Sem tocar a campainha.
O amor é mesmo assim. Chega de mansinho. Sem avisar. Sem mandar aviso prévio. Sem bater na porta.  Chegou sem que Jonny pudesse esperar. Ele, que tanto se protegia, se viu completamente desprotegido diante da intensidade daquele olhar. Sentiu-se nu sem que lhe tirassem as roupas do corpo.
E, dali pra frente, já não sabia mais como seria. O amor sempre nos reserva surpresas inesperadas. O amor vez em quando é incerto.
O amor chegou de novo. Mas esse amor é novo. E Jonny sabia bem disso. Apesar de não entender.
Jonny ainda estava anestesiado pelo olhar de Clara, quando percebeu que ela andava em sua direção. Um calor intenso tomou conta do seu corpo. Sua garganta ficou seca. Seu coração perdeu o compasso.
Clara estendeu a mão.
Demorou um tempo para que Jonny percebesse a mão estendida de Clara.
Ele sorriu timidamente como quem quer se desculpar.
Jonny estendeu, enfim, a sua mão para tocar a mão de Clara.
Ela sorriu mais uma vez.
- Desculpa. Foi sem querer. Meu nome é Clara.
- Não tem problema. Acontece. Eu que peço desculpas por ter sido tão grosso. Meu nome é Jonny.
- Prazer, Jonny!
- Prazer, Clara.
- Vamos começar de novo? Não sei por que, só sei que quero falar com você.
- E há tanto a se falar.
Os dois saíram juntos, mas separados por uma certa distância.
Clara não sabia o que havia feito. Talvez nunca saiba de tão grande feito. Mas fez. Está feito.
E o resto? A vida dirá.


Um comentário:

  1. Que texto mais gracioso!
    Doce, Clara, adocicou Jonny também.
    Destaque para: "Há olhares que nos roubam e nos devolvem. Clara roubou o Jonny casca grossa e devolveu o Jonny com algo diferente que nem ele sabia o que era. O que seria?"

    Adorei!

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