Clara tinha uma alma clara. Alva.
Jonny tinha uma alma acinzentada.
Escura.
Certo dia, os dois se trombaram em
uma dessas esquinas da 25 de março que sempre estão superlotadas de pessoas.
Clara ficou sem graça. E corou.
Jonny já estava irritado. Como
sempre encontrava uma forma de colocar pra fora sua insatisfação com a vida.
Ele olhou pra Clara com raiva. E deixou escapar um áspero
não-olha-pra-onde-anda-não?
Clara correspondeu o olhar de
Jonny. Seu olhar passou de timidez para o de surpresa.
Quem ele achava que era pra falar
assim com ela? Será que ele não percebeu que foi um acidente? As ruas estavam
cheias e todos estavam praticamente se empurrando pra poder andar. Qual pessoa
não vê isso?
Ele, Jonny. Jonny vivia preso em si
mesmo. Em seu mundo particular só existia suas decepções, desafetos e
agressividades. Ele nunca deixou escapar um olhar de ternura.
Clara, apesar do susto, olhou com
ternura pra ele e sorriu. Olhar iluminado e aquecido. Sorriso desconcertante.
Não havia quem resistisse à ternura de Clara. Clara era transparente.
Jonny deixou de ser Jonny naquele
instante.
Aquele olhar e aquele sorriso
cortaram o fio que o mantinha preso dentro de suas amarguras. Ele não sabia
como explicar aquela sensação. Claro que, como um bom machista que era, ele
jamais iria acreditar nesse blá-blá-blá de amor à primeira vista. Ele não sabia
o que havia mudado, mas alguma coisa mudou naquele momento em que aquele olhar
olhou pra ele como nenhum outro havia olhado antes.
Há olhares que nos roubam e nos
devolvem. Clara roubou o Jonny casca grossa e devolveu o Jonny com algo
diferente que nem ele sabia o que era. O que seria?
Clara continuou com seus olhos
fixos em Jonny sem dizer nada. Mas dizendo tudo o que Jonny precisava ouvir.
Seu olhar pedia calma e acalmava. Seu olhar pedia que o outro se desmontasse e
desmontava imediatamente. Clara, doce clara. Clara, com a alma clara, clareava
as almas escurecidas.
Jonny carregava em seu peito a
tristeza de ter sido abandonado, sem nenhuma explicação, por sua namorada,
Lídia. Tudo que ele tinha era dela. O pouco, ele sempre dizia, que tinha era
dela. E Lídia levou esse pouco com ela. No dia em que ela acordou antes dele,
se vestiu, escreveu bilhete de despedida, deixou ao lado do corpo nu de Jonny.
O bilhete diante dos seus olhos anunciava sem anunciar. Uma partida sem
explicações. Algo que ele jamais conseguiu entender. Naquele momento, o espaço
vazio na cama deixado por Lídia, tomou posse de seu coração.
O coração vazio e nunca preenchido.
Mas, de alguma forma, ele sentia que aquele olhar varava as cortinas que ele
havia colocado para se proteger do sol.
Os olhos de Clara eram mais
intensos que o brilho do sol. E, a luz dos olhos de Clara, começaram a dissipar
a escuridão da alma acinzentada de Jonny.
E tudo começou. Em silêncio. Na
troca silenciosa de dois olhares. Um iluminado e o outro carecendo de luz.
Olhar alguém nos olhos é construir
uma ponte entre dois corações.
Clara fez isso quando se atreveu a
olhar para Jonny. Ela não sabia, mas seu olhar acordou a alma adormecida de
Jonny. Ela construiu uma ponte e chegou onde ninguém conseguia chegar. Sem
esforço. Sem pedido de licença. Sem tocar a campainha.
O amor é mesmo assim. Chega de
mansinho. Sem avisar. Sem mandar aviso prévio. Sem bater na porta. Chegou sem que Jonny pudesse esperar. Ele,
que tanto se protegia, se viu completamente desprotegido diante da intensidade
daquele olhar. Sentiu-se nu sem que lhe tirassem as roupas do corpo.
E, dali pra frente, já não sabia
mais como seria. O amor sempre nos reserva surpresas inesperadas. O amor vez em
quando é incerto.
O amor chegou de novo. Mas esse
amor é novo. E Jonny sabia bem disso. Apesar de não entender.
Jonny ainda estava anestesiado pelo
olhar de Clara, quando percebeu que ela andava em sua direção. Um calor intenso
tomou conta do seu corpo. Sua garganta ficou seca. Seu coração perdeu o
compasso.
Clara estendeu a mão.
Demorou um tempo para que Jonny
percebesse a mão estendida de Clara.
Ele sorriu timidamente como quem
quer se desculpar.
Jonny estendeu, enfim, a sua mão
para tocar a mão de Clara.
Ela sorriu mais uma vez.
- Desculpa. Foi sem querer. Meu
nome é Clara.
- Não tem problema. Acontece. Eu
que peço desculpas por ter sido tão grosso. Meu nome é Jonny.
- Prazer, Jonny!
- Prazer, Clara.
- Vamos começar de novo? Não sei
por que, só sei que quero falar com você.
- E há tanto a se falar.
Os dois saíram juntos, mas
separados por uma certa distância.
Clara não sabia o que havia feito.
Talvez nunca saiba de tão grande feito. Mas fez. Está feito.
E o resto? A vida dirá.
Que texto mais gracioso!
ResponderExcluirDoce, Clara, adocicou Jonny também.
Destaque para: "Há olhares que nos roubam e nos devolvem. Clara roubou o Jonny casca grossa e devolveu o Jonny com algo diferente que nem ele sabia o que era. O que seria?"
Adorei!