Nunca
te disse, mas já quis me vomitar muitas e muitas vezes. Não quis contar antes
porque tinha medo da sua reação. Tinha medo do que você pensaria sobre mim.
Acho que você iria me achar muito doido e esquisito. Não faz sentido. Eu também
sei que não faz. Não me diga mais o que já sei. Muita coisa em mim não tem
sentido. Nem ínsito mais em encontrar um sentido para certas circunstancias. É
tempo perdido. E o tempo é cada vez mais curto para viver. Não é normal. Sei
bem que não. Nada em mim se apresenta normal ou natural. Posso dizer-te que sou
extremante feliz por isso. É, sou feliz porque não sou normal. Ser normal deve
ser muito cansativo e enjoativo. Eca! Quero vomitar. Mas agora não quero mais
me vomitar. Quero só vomitar essa sensação de normalidade, sanidade e
maré-mansa. A vida não é assim. Já provei em minha própria pele e em meu
coração.
A
vontade impulsiva de vomitar de hoje é o oposto da vontade insuportável que eu
tinha antes. Antes eu queria me vomitar inteiro. Não me suportava. Não me
aguentava. Não me gostava. Não me permitia. Vivia numa (in)constante náusea.
Quando chegava a noite e todos dormiam, encontrava no silêncio e no vazio do
meu quarto, a vontade de expulsar para fora de mim o lado que eu julgava não me
pertencer. Mas me pertence. Aquele lado é meu. Aquele lado sou eu também. Não é
tudo. Mas compõe o todo. Não entendia. E por não entender já quis me vencer.
Fui vencido. Perdi uma das guerras mais sangrentas que travei dentro de mim.
Por todos os lados só se via sangue, destroços e feridas. Restos de certezas e
dúvidas ilesas que haveriam de se tornar certezas um tempo depois.
Então,
o “tempo depois” chegou. Estou certo de que é justamente isso que sou. Sou
gente antes de tudo. Antes de qualquer coisa. Antes de todas as portas que você
tem que abrir até chegar até mim. Sou gente como você. Mas escolhi ser assim.
Escolhi aceitar o que habita em mim. Escolhi me amar. Escolhi me olhar no espelho,
e acolher minha imagem (antes rejeitada) refletida no espelho. Havia em mim um
desprezo pelo espelho. Na verdade, eu tinha medo de me ver nele. Desprezava a
minha própria imagem. Qual é o nome que se dá a esse medo? Alguém sabe? Não sei
e não importa. O que sei é que o medo passou. Tenho nariz grande mesmo. Além de
ser grande é vermelho. Mas estou respirando. É isso que importa. Ou não? Ou pra
você importa mais um nariz perfeitinho? Não sou perfeitinho. Nem perfeito. Nem
nada disso aí que reluz, mas no fundo o brilho está ofuscado.
Mais
que ver minha imagem refletida no espelho, eu precisava fechar meus olhos e me
enxergar por dentro. Encarar minha alma frente a frente. Olho no olho. Sem
véus. Sem roupas. Sem nada. Totalmente nu. Apesar de toda minha timidez, foi o
que eu fiz. Fiquei nu diante dos meus próprios olhos. E me enxerguei. E me vi.
E o mais importante: amei-me. Não gostei completamente do que vi. Ainda estou
um pouco insatisfeito. Mas é essa insatisfação que me faz querer mudar a cada
novo momento. Nunca estarei satisfeito para nunca me fechar para essas mudanças
tão necessárias em nossas vidas. Insatisfação é diferente de ódio. Não alimento
mais aquele ódio por mim mesmo. Nem me desprezo. Pelo contrário, me prezo muito
por ser quem eu sou. Orgulho? Talvez seja. Mas é um orgulho bonito. Um orgulho
que não quer pisar em ninguém. Um orgulho que é apenas feliz por ser alguém.
Alguém que não quer mais se vomitar.
As
náuseas passaram. Aquele era o inicio de tudo. O inicio de uma gestação. Eu ia
me gerar dentro de mim mesmo. Depois mais tarde ia me dar à luz. Por isso que
dói tanto lutar para ser quem a gente é. Agora entendo mais claramente o que
antes era tão escuro e sombrio. Mulheres dizem que a dor do parto é horrível. A
dor de parir um ‘eu’ que rejeitávamos também é difícil. No entanto, é uma dor
que vale a pena. Toda mãe sabe disso muito bem disso. Vale a pena sentir tudo
aquilo para depois de tanto esforço ter em seus braços o seu rebento. Comigo
foi e tem sido assim. Sofri as náuseas do começo. Agora sinto as dores de
trazer à luz o meu ‘eu’, o meu menino que estava nas trevas. Para um dia, enfim
poder segurar entre meus braços tão frágeis um ‘eu’ que me pertence. Um ‘eu’
que sou eu. E que nunca deixará de ser. Sim, o parto ainda não acabou. O parto
é demorado. E a demora me ensina que o importante é continuar vivendo.
lindo rafaa
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