Pintei
o meu cabelo há alguns dias só pra ver se você me percebe. Mas você,
definitivamente, é um boboca. Sim, tive que pintar com uma cor bem incomum pra
facilitar as coisas. Mesmo assim, você não me notou. Que merda. Será que eu
tenho que andar nua em plena Avenida Paulista pra você perceber que eu existo?
Ando
tão cansada dessa minha vida medíocre. Tenho fumado vários maços de cigarro,
tenho bebido tanto café e comido tanto chocolate. Estou me sentindo gorda. Você
me olha todas as manhãs e diz que eu sou louca e que não engordei nem ao menos
uma grama. Engordei sim. Engordei por dentro. Minha alma me pesa e tenho me
arrastado pelos cantos e pelas ruas e pelos bares e pelo meu trabalho e pela
minha faculdade e por essas ruas frias e solitárias de São Paulo. É, por mais
que as ruas estejam cheias, as pessoas andam sozinhas consigo mesmas. Meu olhar
sempre se perde, procurando de rosto em rosto, um olhar que encontre o meu e
possa ali descansar. É isso que minha alma deseja tanto. Descansar. Aí vem você
e me diz que te tenho e não há motivos pra eu procurar em outro lugar esse tal
descanso.
Você
não me leva a sério. Isso me deixa irritada. Detesto quando alguém menospreza o
que eu sinto ou o que eu penso. Detesto mais ainda quando você, ou qualquer outra
pessoa, diz que sou dramática.
Sabe
o que houve? Teus braços não me descansam mais. Teus braços não são mais o meu
oásis, o meu lugar de descanso, o meu abrigo. E tudo isso porque você não me
quer inteira. Você não me devora mais. Você apenas toca o meu corpo, os meus
lábios, os meus seios. Teu toque não me toca mais. Teus olhos não me enxergam
mais. Teus olhos eram o espelho para minha alma e agora sinto uma saudade imensa
de enxerga-la nesse espelho.
Sou
uma tempestade. E estou pedindo que você seja – sempre – o meu guarda-chuva.
Não consigo ser garoa e nem ser chuva. Sou intensa demais. Um cafezinho não
está resolvendo minha situação. A ansiedade está fazendo com que eu me sinta
enclausurada dentro desse corpo. Não estou me cabendo. Queria que alguém
existisse no meu lugar pra eu poder descansar um pouco de ser.
Estou
com o peito rasgado diante dos teus olhos fechados.
Toda
noite é sempre a mesma insônia. Minha alma está deserta. Estou sozinha mesmo
estando com minha cabeça recostada em teu peito. Você acorda no meio da noite e
passa os dedos entre os meus cabelos tingidos (que você insiste em não notar).
Eu só queria que você me abraçasse a alma. Preciso chorar até secar a última
gota que houver dentro de mim. Estou seca. Estou molhada. Estou quente. Estou
fria. Estou e não estou. Sou e deixo de ser.
Peguei
no sono bem tarde. Acordei bem cedo. Meu corpo se levantou e minha alma
continuou enrolada entre os nossos lençóis. Eu ainda não sei qual é o motivo
que me leva a insistir em nós. Se é mesmo que esse ‘nós’ ainda existe. Tenho
medo de te ver partir. Ainda me lembro do último que partiu. Ele me deixou
partida. E isso não é mentira e nem exagero. Sinto que você dá sentindo à minha
existência. Depois que você chegou (inconscientemente) suas mãos juntaram os
meus pedaços e me senti reconstruída de novo. Quando estou do seu lado, ainda
que você seja indiferente e não me queira inteira, sinto que estou viva. Estou
cansada de ver minhas esperanças morrerem e de sempre ter que sepultá-las.
Quero viver agora.
Não
se vá...
Na
verdade, não estou cansada da vida. Estou cansada de você. Só que não consigo
admitir isso. E dizer assim, em voz alta, parece uma loucura. Posso pintar meu
cabelo de preto de novo. Posso parar de fumar tanto. Eu quero apenas que você
note que eu existo.
Porra,
eu te amo tanto.
(Sentou
no canto de seu quarto e chorou por mais de duas horas. Depois ele chegou do
trabalho. E nada mudou.)
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