Todas as experiências ruins e toda
escuridão e toda dor e todas as feridas e todas as marcas e todas as
lembranças. Eu deveria esquecer tudo. Eu deveria simplesmente amassar como um
papel rasurado e jogar no lixo. Eu deveria me desfazer de tudo. Eu deveria
jogar no mar e deixar as ondas levarem pra bem longe de mim. Assim como quem vê
da praia um banco se perder no horizonte. É frustrante. Quanto mais desejo que
tudo se distancie de mim, mais se aproxima. Tudo está dentro de mim e eu ainda
continuo querendo que vá embora. Faz as malas, não se despeça e nem mande
lembranças. Não é tão fácil assim. Sei disso, mas prefiro acreditar que as
coisas são ou poderiam ser assim. Tudo o que aconteceu do lado de fora ficou
marcado como ferro em brasa aqui dentro do meu peito. Acontece que algumas
lembranças são como tatuagens na alma. Minha alma está marcada como quem está
vivo. Uma alma sem marcas é uma alma que jamais se dispôs a viver. A vida
tratou de me marcar. Sem dó. Sem piedade. Sem compaixão. Eu poderia dizer que
não queria tantas marcas. Mas viver é estar sujeito a ser marcado. Carrego em
mim as marcas de quem, mesmo com medo, está tentando viver a verdade do que é e
do que nasceu para ser. Não acredito que a gente nasce por nascer. Não acredito
que a gente nasça no meio de um vazio sem nada a procurar. O vazio de dentro
muitas vezes é maior do que o vazio de fora. E vez em quando nós confundimos
muito o vazio interior com o vazio exterior. No meu peito há um buraco imenso
cavado com minhas próprias mãos na ânsia de me encontrar, me preencher e me ver
inteiro. Sou contradição. Ao mesmo tempo em que me sinto cheio, me sinto vazio.
E ao passo que me sinto inteiro, me sinto aos pedaços. Junte. Sim, junte meus
pedaços. Quebrei-me inteiro para que você juntasse meus cacos. Não tenha medo
de se ferir. Porque amar é ajudar o outro a juntar seus cacos mesmo correndo o
risco de se ferir. Talvez a falta e a ausência que mais tem me doído seja a de
gente que corra riscos por mim, que se fira e se deixe doer por mim. Sinto-me
desgastado de tanto gastar o meu amor. Sorte é que o amor em meu peito rasgado
sempre se renova. De repente, fiz aquilo que sempre faço. Fechei os olhos. O
mundo deixou de existir e pesar sobre mim. Sorri por dentro. Meus pedaços vão
se juntando e eu vou encontrando uma forma de seguir. Andando por fora e
andando por dentro. Eu sou um mundo a ser desvendado. E mesmo cansado eu
preciso (pros)seguir, pois a vida fez de mim um menino marcado.
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