Abriu as
janelas do quarto. Era um novo dia. Mas, por dentro, ainda havia sobras de um
ontem amargo e mal vivido. Quisera ela que as janelas de sua alma se abrissem
com a mesma facilidade que as janelas de seu quarto se abriam. Suas forças se
esvaíram e ela foi ao chão. Sua alma se trancou dentro de si com medo da luz do
dia. Depois que se passa muito tempo na escuridão, a alma da gente se acostuma
com os breus e deles não quer mais se apartar.
Era assim
quando ainda estava segura, tranquila e protegida do mundo, no seio materno.
Ela desejou regressar ao útero de sua mãe. Lugar secreto, escondido, o melhor
canto de mundo que já foi criado. Queria aquecer sua alma, invernada, nas
centelhas do amor, no entanto, só lhe restou a solidão e o frio existencial
sendo acolhidos pelo piso claro de seu quarto meio bagunçado.
Tudo
bagunçado. Do lado de fora é muito fácil arrumar, colocar em ordem, deixar
limpo. Mas, quando se trata do lado de dentro, a gente se perde e esquece que o
tempo tem se apressado e não temos conseguido acompanhar seus largos passos. O
tempo. Ah, o tempo passa. Ela não. Ela se recusava a passar com o tempo. Tudo
bagunçado. Esqueceu? Ela deixou o passado bagunçado. O passado morava em seu
presente. E o seu presente nunca era vivido. Quis, mais uma vez, ter forças
suficientes pra se levantar, se manter firme diante das janelas abertas e
deixar o sol aquecer seu corpo esguio de menina.
Levantou-se
e sustentou todo o peso de seu corpo sobre os pés de bailarina que desistiu da
dança. A vida tocava, mas ela não dançava mais. O peso da culpa e o medo de
aceitar suas falhas incapacitaram-na de dançar. Tudo escuro. Tudo sujo. Tudo
pesado. Tudo bagunçado. O mundo estava sobre suas costas. Suas costas
carregavam o mundo. A leveza da menina se foi quando ela decidiu que ia
crescer. E crescendo, esqueceu de suas limitações.
É preciso
se perdoar, menina. Aceitar que aconteceu. Aceitar que não deu. Aceitar que há
dias escuros que só voltaram a se iluminar quando abrirmos as janelas da alma
sem medo da luz. Os breus que nos cobrem a alma são os medos que nos limitam a
visão. Você sabe. Eu já te disse, menina. Você deve ter esquecido. Ver, ou
melhor, enxergar dói. Ver além da superfície é mergulhar com os olhos. E quando
dói muito a gente prefere ficar cego.
Ela abriu
os braços como se pudesse abraçar toda luz e quentura que emanavam do sol
naquela manhã. Sentiu-se estranhamente confortável com aquela luz tocando sua
pele e com o calor que tomava seu corpo. Cerrou os olhos com força e desejou
intensamente voltar à superfície. Era como se a luz pudesse penetrar sua pele e
beijar sua alma. E, no beijo, se tornaram uma só. A luz e ela. Ela e a luz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Traga um sorriso ao meu coração :)