Peça-me
pra ficar. Na verdade, eu nunca quis partir. Sempre quis ficar. E queria ficar
perto de você. Queria ser a tua pele. Queria que você me levasse em todos os
cantos em que você fosse. Queria que minha alma mergulhasse na tua e fossemos
uma linda mistura homogênea. Tanto querer em mim e tanta indiferença em ti. Heterogênea.
Nossas almas, nossas vidas, nossos corações não se misturavam.
Se
você tivesse me olhado nos olhos e me pedido pra ficar, eu te confesso que ficaria.
Por você, só por você, e, por mais ninguém, eu ficaria. Mas teus lábios não se
abriram. Nem teus olhos procuraram pelos meus. Então eu tive que ir. Tive que
aceitar que você não cabia a mim. Minhas mãos não te alcançaram. Meus braços se
fatigaram de tanto procurar pelo teu corpo fugitivo. Teu corpo não era meu. Teu
corpo era de outros braços. Não sei de quem você é. Muito menos sei se você é
de você mesmo. Desconfio muito da sua pertença. Acho que você deixa tudo e
todos te levarem. Eu queria ir com você.
É
uma merda ter que reviver isso. É uma merda sentir que, em teus braços, eu me
sentiria incrivelmente seguro. Você me domaria como ninguém. Só de você me
olhar eu me desmontaria inteiro e deixaria de ser eu. Eu quis ser você pra me
sentir aliviado de ser eu. Mas era impossível. Eu nunca encontrei uma fresta
para me acomodar dentro da tua vida. Nunca segurei tua mão, mas sinto que ela
sempre esteve entrelaçada na tua. Você era o meu esconderijo. Você era o meu
refúgio. E eu fugiria com você. Nem que fosse pra sua casa, pro seu quarto. Eu
poderia viver debaixo da sua cama e ninguém teria a necessidade de saber da
minha existência. Bastaria somente que você soubesse. O que me mantinha vivo
era essa certeza de que você sabia que eu existia e de que poderia bater em
minha porta quando quisesse. Ou poderia, quem sabe, me surpreender no começo da
noite com um susto e me fazer querer te xingar por isso. Bastaria um mundo só
nosso. Onde eu existia pra você e você existia para mim. Mas tudo isso soa tão
meloso. E agora quero vomitar todo essa doçura e amargura que estão assolando o
meu peito que aspira por paz.
Você
faz guerra dentro de mim. Você me afronta mesmo quando está calado. Você me
questiona mesmo quando está ausente. E agora eu caí no erro de misturar passado
com presente. Você é o meu passado. Tive que soltar tua mão. Tá, eu sei que
nunca a segurei de verdade. Mas eu tive que soltá-la. Você nunca pediu que eu
ficasse. Minhas asas estavam feridas, cansadas de tanto voar até o teu ninho.
Bati asas e voei pra longe. Agora eu vivo por aí. Voando de coração em coração.
Procurando o meu abrigo, o meu refúgio, a minha morada.
Já
te fiz tantas confissões. Agora preciso muito fazer outra. Estou cansado.
Cansei de ficar voando de coração em coração, de boca em boca, de ninho em
ninho. Meu cansaço precisa descansar. Onde estará o ninho a que eu pertenço? Sou
passarinho que resolveu se libertar da gaiola em que vivia. Eu me mantinha
preso em você até o dia em que percebi que a porta da gaiola sempre esteve aberta.
Acontece que eu tinha medo de voar, de me ver livre dos teus olhos tão
profundos e instigantes. Não queria me sentir desprotegido mais uma vez. No
entanto, eu tive que arriscar. Como sempre faço. Tive que me livrar de você pra
me ver livre de mim mesmo e dessa dependência louca.
Não
sei mais onde se encontra o teu ninho. Perdi o rumo e a direção. Não sei se
isso é bom ou ruim. Só sei que agora me deu vontade de encontrar o caminho pra
pousar naquele mesmo ninho. Descansar. Repousar. Me encontrar. Por isso, vem.
Vem numa noite fria para que minha alma nua se vista de você. E ali se esqueça.
E ali adormeça. Vem. Esse talvez seja o último pedido que eu te faço. Não
queria mais pedir. Mas é inevitável.
Por
favor, vem.
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